Distúrbios comportamentais: doenças do século?

Os distúrbios comportamentais e os transtornos mentais vêm crescendo exponencialmente no cenário de saúde. A OMS (Organização Mundial da Saúde) classifica a depressão como uma condição mental do século, doença que afeta 322 milhões de pessoas no mundo, sendo que no Brasil os números chegam a 11,5 milhões. Segundo estimativas do órgão, no ano de 2030, ela será a doença mais comum na população. Junto a ela, outras desordens mentais se associam, tais como a ansiedade, a bipolaridade e a síndrome de Burnout.

As doenças psiquiátricas são consideradas manifestações decorrentes da estrutura genética, fisiologia, imunologia e formas de enfrentamento dos estressores ambientais do indivíduo. Os avanços recentes nas áreas de imunologia e genética têm demonstrado as correlações entre transtornos psiquiátricos e disfunções do sistema imunológico, associados à saúde intestinal. A neuroinflamação crônica de baixo grau vem sendo objeto de estudos nesse sentido e é classificada como ponto de partida para o desenvolvimento de transtorno depressivo maior.

Microbioma: comunicação bidirecional com sistema nervoso central

Um número crescente de estudos indica a relação da microbiota intestinal como fator que pode influenciar o funcionamento do cérebro e do comportamento dos pacientes. Vários metabólitos secretados pela microbiota intestinal podem afetar a capacidade cognitiva de pacientes com diagnóstico de doenças neurodegenerativas e condições mentais.

O intestino é responsável por secretar neurotransmissores envolvidos na promoção do humor e bem-estar. O eixo intestino-cérebro pode ser o elo perdido na etiopatogenia das doenças neuropsiquiátricas, como a depressão. A microbiota de pacientes depressivos, na maioria as vezes, apresenta um quadro de disbiose de baixa diversidade. Os níveis de Lactobacillus, Bifidobacterium, Firmicutes, Faecalibacterium e Ruminococcus diminuem, enquanto os níveis de Provotella, Bacteroides e Proteobacteria aumentam, segundo estudos.

Evidências mais recentes apontam para uma ligação causal entre patógenos e mudanças na composição da microbiota, junto com alterações inflamatórias em tecidos e órgãos, incluindo o cerebral. Os microrganismos intestinais podem alterar os níveis de metabólitos relacionados ao neurotransmissor, afetando a comunicação intestino-cérebro, o que ressalta a importância de se aplicar intervenções nutricionais integradas com o estilo de vida, como indicam os pilares da área da medicina e nutrição personalizada.

Neuroinflamação e neurodegeneração: o que traz a ciência?

Dados compartilhados de pesquisas científicas indicam que a desregulação imunológica e a inflamação crônica desempenham efeito no início e na persistência de transtornos da depressão. A neuroinflamação é uma condição que envolve a ativação de células nervosas no sistema nervoso central com alterações semelhantes à degeneração neural. O aumento das citocinas pró-inflamatórias desencadeia mudanças no eixo HPA e na síntese de neurotransmissores.

Com o aumento das citocinas, ocorre o desenvolvimento de distúrbios nos circuitos serotonérgicos e noradrenérgicos graças a uma depleção da serotonina com maior atividade da enzima indoleamina 2,3- desoxigenase (IDO) no sistema triptofano/quinurenina. Em alguns estudos recentes, os autores encontraram aumento expressivo dos níveis plasmáticos de IL-1 beta, IL-6, IL-18, interferon-gama (INF-γ), sIL-2R e CRP (uma proteína de fase aguda e marcador inflamatório) em casos de depressão.

Outro ponto que aumenta as concentrações de citocinas pró-inflamatórias é a permeabilidade intestinal, que se desenvolve como resultado da interação com a população bacteriana. Os microrganismos intestinais podem causar alterações nos níveis de neurotransmissores ao afetar o metabolismo do triptofano, segundo mecanismos propostos pelos estudos. Tal condição foi comprovada em uma revisão feita por Evrensel et al. (2020), que relataram os níveis maiores de IgM e IgA produzidos contra lipopolissacarídeos (LPS) de enterobactérias nos casos depressivos do que nos indivíduos de controle. Essas imunoglobulinas aumentadas indicam que a permeabilidade intestinal está elevada e, portanto, as enterobactérias invasivas são responsáveis por provocar inflamação sistêmica e central.

Doenças neurodegenerativas x microbiota intestinal

A doença de Alzheimer (DA) é classificada como uma doença degenerativa com comprometimento cognitivo e considerada a forma mais disseminada de demência, atingindo 45 milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente pelo aumento de idosos no perfil populacional. Estudos confirmaram os papéis da neuroinflamação no desenvolvimento da DA. Um recente estudo, publicado por Shen et al. (2020), trouxe uma hipótese verificada por meio de intervenção experimental em que a microbiota intestinal de pacientes com DA foi transplantada para camundongos transgênicos duplos APP/PS1. Como resultado, a expressão de inflamassoma NLRP3 foi aumentada no trato intestinal dos animais e os níveis de expressão de fatores inflamatórios no sangue também se encontraram elevados.

Envelhecimento, neuroinflamação e neurodegeneração associados ao microbioma intestinal. Como o intestino afeta o comportamento humano e a homeostase sistêmica? O que a ciência traz de atualizações a respeito das estratégias moduladoras da microbiota? O Módulo 3 do ILPM trará temas relevantes sobre intestino e sua vasta conexão com a saúde dos vários sistemas.

Referências

SHEN, H. et al. New mechanism of neuroinflammation in Alzheimer's disease: The activation of NLRP3 inflammasome mediated by gut microbiota. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry, v. 8, n. 100, junho. 2020.

EVRENSEL, A. et al. Neuroinflammation, Gut-Brain Axis and Depression. Psychiatry Investig, v. 17, n. 1, p. 1-8, janeiro. 2020.

CEROVIC, M. et al. Neuroinflammation and the Gut Microbiota: Possible Alternative Therapeutic Targets to Counteract Alzheimer’s Disease? Front Aging Neurosci., v. 11, n. 284, 2019.

GIAU, V. et al. Gut Microbiota and Their Neuroinflammatory Implications in Alzheimer’s Disease. Nutrients, v. 10, n. 1765, p. 1-18, 2018.

HIRSCHBERG, S. et al. Implications of Diet and The Gut Microbiome in Neuroinflammatory and Neurodegenerative Diseases. Int. J. Mol. Sci., v. 20, n. 3109, 2019.

KHAN, M. et al. Gut Microbiota, Its Role in Induction of Alzheimer’s Disease Pathology, and Possible Therapeutic Interventions: Special Focus on Anthocyanins. Cells, v. 9, n. 853, p. 1-21, 2020.

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MÓDULO 02

CARDIOMETABÓLICO

CARDIOMETABOLIC

Grande parte das doenças crônicas relacionadas ao estilo de vida, como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, ocorrem pela interação de aspectos genéticos e ambientais, onde o estilo de vida exerce um papel importante em sua fisiopatologia. A dieta ocidentalizada e o sedentarismo são os principais gatilhos ambientais para o aparecimento de modelos inflamatórios que fazem parte do cenário dessas patologias crônicas. Neste módulo, que tem como objetivo de proporcionar as ferramentas para entender como reconhecer e tratar essas doenças, iremos abordar os biomarcadores preditivos nas doenças endoteliais assim como quais são as principais rotas bioquímicas que precedem as doenças cardiometabólicas, além da dieta inflamatória como um importante gatilho neste contexto.

MÓDULO 01

IMUNOLOGIA

IMUNE HEALTH

Neste módulo vamos abordar os diferentes aspectos da imunidade na saúde humana, trazendo alguns pilares da nutrição e do estilo de vida na fisiopatologia de doenças infecciosas, inflamatórias, autoimunes e neoplasias. A imunidade é essencial para a sobrevivência humana e sabemos que ela depende de fatores genéticos, epigenéticos e do estilo de vida. A nutrição sustenta a imunorregulação, trabalhando a favor do equilíbrio imunológico, modulando reações inflamatórias e melhorando a capacidade de resposta a vírus, bactérias e fungos e de reconhecimento e controle de doenças tumorais. Temas relevantes como o papel da vitamina D no combate ao vírus SARS-CoV -2  e o papel da dieta no desenvolvimento do câncer de próstata serão abordados.

MÓDULO 03

NEUROPSIQUIÁTRICO

NEUROSCIENCE & BEHAVIOR


Neste módulo abordaremos o papel do estilo de vida, da alimentação, do estresse e da microbiota nas doenças psiquiátricas e neurológicas. O recente campo de psiquiatria nutricional demonstra como a deficiência de vitaminas e o desequilíbrio nutricional podem realçar modelos de depressão, ansiedade, transtornos de humor e alterações no neurodesenvolvimento. Dessa forma, compreender o papel do equilíbrio de macro e micronutrientes da dieta, assim como a ação da microbiota nas doenças neuro-psiquiátricas, é uma forma de contribuir com a sua prevenção e tratamento.

 

 

MÓDULO 05

ENVELHECIMENTO

HEALTHY AGING

 

O envelhecimento acontece decorrência de fatores genéticos e ambientais e também, pela força da epigenética que se expressa nos modelos de moleculares que determinam processo de adoecimento de cada indivíduo. Um olhar para os vetores do estilo de vida, valorizando a alimentação e a crononutricao, além da prática de exercícios físicos na regulação dos modelos genéticos e epigenéticos que irão definir as rotas moleculares do envelhecimento. O objetivo é proporcionar as ferramentas ideais para otimizar a extensão de tempo de vida do indivíduo, visando o envelhecimento ativo e bem sucedido.

 

 

MÓDULO 06

TECNOMEDICINA

TECNOMEDICINE

 

 A bioinformática faz parte da vivência de todos os profissionais de saúde, permitindo compreender e interpretar melhor o fenômeno da vida, por meio da monitorização e extração de dados que permitam trabalharem de forma pró-ativa e mais assertiva. A extração de dados genéticos, a telemedicine e as diferentes plataformas digitais de pesquisa, os conceitos de singularidade foram ampliados, podendo ser aplicadas diferentes formas de interpretar os aspectos do estilo de vida na saúde humana. Falaremos sobre o modelo fisital no health care, assim como as novas soluções de saúde que essa nova era digital proporcionou.

 

 

MÓDULO 07

SAÚDE REPRODUTIVA

REPRODUCTIVE HEALTH

 

A saúde humana depende de aspectos genéticos e epigenéticos onde o estilo de vida impacta na expressão gênica, desde antes a concepção. Neste módulo iremos abordar os aspectos da saúde pré-natal integrando o olhar de saúde transgeracional, por meio do cuidado integrado da saúde paterna e materna, promovendo a melhora da qualidade das células germinativas com escolhas conscientes e suporte nutricional adequado e específico, visando apoiar a saúde do embrião e do indivíduo no futuro e, consequentemente, trabalhar para a saúde populacional

 

 

MÓDULO 08

ECO MEDICINA

ECO MEDICINE

 

A saúde planetária é essencial para a saúde humana: sabemos que somos parte de um grande ecossistema e nesta interação, o conhecimento sobre o ambiente e o impacto do estilo de vida no equilíbrio do corpo é essencial. Neste módulo vamos discutir a relação mútua do homem com o seu habitat, tanto em relação aos seus hábitos de vida impactando o meio ambiente, quanto o ambiente interagindo com o seu estado de saúde: do antropoceno ao simbioceno!

 

 

MÓDULO 09

SAÚDE 360º

HEALTH 360º

 

O significado atual de saúde vai além da ausência de doença, sendo reflexo do equilíbrio fisiológico e do bem-estar físico, psíquico espiritual e social. Essa definição faz parte do conceito de saúde 360 graus, que traz uma visão integral do ser humano e das suas relações com o seu ambiente: somos seres únicos, mas completamente integrados a tudo que nos cerca. Neste módulo, vamos abordar o conceito da medicina ayurveda de saúde integral e o conceito de Network Medicine, demonstrando a importância da complexa interação do homem com o seu ambiente na construção do seu patrimônio de saúde.

 

MÓDULO 04

GASTROINTESTINAL

GASTROINTESTINAL

 

A saúde digestiva nunca esteve em tanta evidência e a ciência aponta que um mundo desconhecido amplia uma rede de fenômenos que se manifestam na fisiopatologia de grande parte das doenças crônicas: a microbiota. Ampliando o conceito de disbiose, neste módulo traremos palestrantes que irão abordar os aspectos imunológicos, metabólicos e neuropsiquiátricos que afetam a homeostase corporal, relacionando-os de forma prática com a importância do equilíbrio da microbiota nas principais rotas que definem a saúde humana.